Friday, November 6, 2015

[PT] Como resgatar a democracia Portuguesa







Não somos formigas: como resgatar a democracia


NOTA: O Programa "À Noite na Cidade" discutiu este ensaio dia 2 de Novembro de 2015


A eugenia surgiu a partir das idéias de Sir Francis Galton no séc. XIX, primo de Darwin, empolgado com o trabalho de seu primo e com a recente re-descoberta das experiências realizadas pelo monge Gregor Mendel. A eugenia brotava como uma nova disciplina que tinha como proposta a melhoria genética da raça humana sob a tutela das "autoridades científicas." Galton acreditava que só os melhores deveriam governar e ter crianças.  Por motivos aparentemente racistas, o primeiro teste de inteligência foi criado por Henry Goddard, um eugenista, que em 1913 aplicou um teste de inteligência a 148 imigrantes judeus, húngaros, italianos e russos.  No fim, Goddard achou que o teste não condizia com a realidade, pois pensava que o número de atraso mental deveria ser maior (pelo menos 40%). 

É curioso, então, que foi o mesmo Galton, produto da sua era, e logo do nosso ponto de vista actual, bastante racista e elitista, que fez uma descoberta científica chave que abalou o seu paradigma. Por curiosidade, foi a uma feira popular camponesa, onde se deparou com um jogo com uma multidão de gente comum e diversa sem "experts" - o pesadelo e alvo de desdém do elitista. O jogo consistia em adivinhar o peso de um boi - ganhava quem estivesse mais próximo do peso correcto. Os resultados geraram certa inquietude, pois parecia que o grupo tinha um certo tipo de inteligência de grupo superior a qualquer dos indivíduos, mas possivelmente, superior a de qualquer especialista, a pesar de serem meros camponeses sem tecnologia ou treino para tal.  Tal foi a curiosidade que pediu os papeis com todas as apostas.   O peso actual era 1188 libras.  Das 787 adivinhas, a resposta mediana foi de 1187 libras, ainda mais preciso que a pessoa com a melhor adivinha.  

Assim começou o estudo de fenómenos de inteligência e organização emergentes, em que formigas meio estúpidas acabam por ter uma organização e inteligência impressionante enquanto colónia de colaboração; onde a Google usa as decisões de usuários individuais para decidir o que e' importante ou relevante de forma orgânica e democrática, de-centralizada.  Não somos formigas, que não são tão parvas como parecem, mas no entanto o governo trata os cidadãos como se fossem.

Depois das revoluções Norte-Americanas e Francesas, os intelectuais não acreditavam que o povo fosse capaz de deliberar e fazer decisões sensatas - provavelmente também temiam uma redução no seu poder e viam uma ameaça aos seus interesses financeiros.  Eleições e partidos dão a impressão de democracia e debate, mas permitem as oligarquia. As liberdades e distrações, assim como as divisões partidárias, permitem as pessoas falarem o que pensam mas renderem-se a um tipo de derrotismo ou alternância, votando não em representantes mas em mestres das elites. 




O problema da pseudo-representação 

É quase impossível, na prática, que representativos políticos representem a população adequadamente, pois não são directamente eleitos em Portugal.  Mesmo que deputados sejam eleitos como nos Estados Unidos, cada cidadão tem uma combinação de valores, prioridades e atitudes em relação a vários temas.  Mesmo que esteja de acordo com um deputado ou um partido em relação a um tema ou decisão, não vai estar sempre de acordo em outras áreas. Logo, o principio de que um representante é verdadeiramente representativo da vontade dos cidadãos que diz representar é falacioso -- mesmo que tenha as melhores das intenções e ética. 

Sabemos, também, pela experiência e lógica, que os cargos políticos tem poder e são de longa duração, o que atrai pessoas carismáticas mas facilmente corruptíveis e os torna alvo dos interesses corruptores.  Ou seja, os menos adequados ao serviço publico são frequentemente eleitos e acabam por servir-se do publico.  Na Grécia Antiga, berço da democracia, reconhecendo este problema, chegaram a ter assembleias abertas (com limites culturais da altura - só participavam cidadãos, homens proprietários), e vários cargos na base de sorteios e termos curtos e limitados, assim como processos de castigo e ostracismo para aqueles que abusavam da posição.

No entanto, sabemos que na nossa versão da democracia, a distância entre o deputado e os cidadãos é elevada, mas a relação com linhas oficiais do partido e os lobbies de interesses capitais e outras influencias são muito fortes.  O cidadão é desincentivado de participar, encorajado a ficar em casa, calado, mas também pode falar ou ate gritar a vontade, pois já não temos PIDE.  No entanto, no dia das eleições, ao ser alternativamente traído pelos partidos, deixa de ter interesse e deixa as reinas nas mãos de políticos que não representam a maioria dos Portugueses, pois a maioria não vota, mas o voto nulo, em branco ou a abstenção não conta contra os partidos.

Para piorar a situação, nem o politico melhor intencionado sabe o que os cidadãos pensam a cerca de um tema, pois, em geral, o cidadão esta demasiadamente ocupado com a sua vida para aprofundar nas questões e não tem tempo, nem meios de influenciar o seu suposto representante.  A demais, não tem incentivo para aprofundar, pois não tem esperança que a sua opinião seja relevante para os resultados (um fenómeno chamado de ignorância racional), por melhor fundamentada que seja.  Também temos a tendência humana de procurar fontes de informação que reforçam um certo ponto de vista, mesmo na Era Digital, e é difícil perceber o grau de superficialidade do conhecimento ou fragilidade de argumentação quando não somos desafiados por boa contra-argumentação.  

Torna-se, também, fácil de aderir a "equipas" e estar contra as outras "cores," quando não conversamos com os vizinhos para conhece-los como pessoas razoáveis que tem as suas bases para acreditar no que acreditam.  Logo, a tendência de qualquer povo é que os cidadãos estejam muitas vezes desinformados acerca das principais questões públicas, especialmente se os jornalistas não forem suficientemente independentes e diligentes para facilitar o processo. 

Piorando a situação, é comum não admitir que simplesmente não sabemos. Quando nos perguntam algo em referendos, obrigam a escolher sim ou não, em questões complexas, sem ter a oportunidade de deliberar os prós e contras, e com a pergunta já formatada a limitar as possibilidades e, possivelmente, de forma tendenciosa para influenciar a resposta.  Estudos efectuados mostram que seres humanos respondem sim ou não ate em questões fictícias e que dão respostas diferentes com pequenas manipulações da pergunta.  Deste modo, o demagogo pode legitimar as suas decisões com o voto publico, que poderá formar a sua decisão baseada no que houve nos mídia convencionais ("sound bites"). 

Se nem todos podem ser especialistas em todos os temas, e se os nossos representantes não tem pressão de um consenso deliberado do povo nem consultam especialistas independentes e desinteressados, facilmente cedem perante a influencia dos lobbies


Uma possível solução

A consulta publica deliberativa é uma tentativa de usar a ciência de opinião pública e a ciência dos sistemas complexos de uma forma inovadora e construtiva. já foi posta à prova em varias partes do mundo, inclusive no Brazil, Macau, e ate foi feito uma experiência a nível Europeu.  No entanto, desconheço tal experiência a nível nacional ou regional em Portugal.  Uma amostra representativa e aleatória da população é convidada a responder perguntas sobre um determinado tema escolhido por um comité ou ate escolhido por eles mesmos. Depois desta sondagem de referencia, os membros da amostra são convidados a se reunirem em um único lugar por um fim de semana para discutir as questões. Cuidadosamente, materiais informativos equilibrados são enviados aos participantes e também são disponibilizados ao público. 

Os participantes dialogam com especialistas representando diversas posições. As perguntas surgem de pequenos grupos de discussão com moderadores.  Os eventos podem transmitidos nos mídia e/ou por Internet ao vivo e/ou em forma gravada e editada. Após as deliberações, a consulta de opinião original é novamente efectuada. As alterações resultantes dos debates são representativas das conclusões que o público atingiria, se as pessoas tivessem oportunidade de se informarem e debaterem as questões entre si e especialistas.  

O debate pode continuar através dos fóruns na Internet e poderá resultar em assembleias, mais consultas publicas deliberativas, ou até em referendo, desta vez com um público melhor informado.  A criação de uma opinião pública mais deliberada também aplica pressão nos políticos nas suas decisões, pois se continuarem a ignorar a vontade bem-informada do povo, mais cedo ou mais tarde, o povo vai exigir mudanças no sistema eleitoral para que haja mais participação directa na democracia - em sim um tema inevitável das consultas publicas deliberativas. 

Com a educação universal, com o maior acesso a informação da historia, métodos científicos de deliberação, cidadãos especializados e experientes nas mais diversas áreas, e com as evidencias de corrupção e ineptitude das supostas elites politicas, o mito que o povo não sabe governar-se já se mostrou falso.  Na era da economia de cooperação tipo (Mondragon, Evergreen Cooperatives, "worker-owned cooperatives","credit unions","public land trusts") e de partilha (AirBnB, Wikipedia, "share econony", "crowd funding," "micro-finance", "open source", "crowd source") e da de-centralização de sistemas (de informação, de energia), e dos votos em shows de TV e da era da Internet, que permite pagar impostos e fazer transacções bancarias por computador e telemóvel, mas também dos hackers, como melhoramos a democracia? Porque não perguntamos aos cidadãos? 

NÓS, CIDADÃOS! 

Neste contexto, surge o movimento cívico e novo partido Nós, Cidadãos. Ao contrário dos partidos tradicionais, que elaboram programas políticos e eleitorais de forma não participada e depois os apresentam de forma a não serem lidos nem, muito menos, compreendidos, o seu programa resultou de uma ampla participação de especialistas, cidadãos comuns, especialistas e grupos cívicos.  O primeiro tema que defende: chegou a hora de reinventar o nosso sistema político e eleitoral. Os cidadãos estão cansados de serem sempre “eles” a decidir, nas nossas costas. Por isso, NÓS, CIDADÃOS! propõe:
1.1 — Maior recurso ao referendo, para a decisão das grandes questões nacionais. Para tal, devem-se equacionar formas de tornar esse instrumento menos oneroso, quer agregando os referendos às diversas eleições, quer permitindo, num mesmo referendo, agregar mais do que uma questão.
1.2 — Possibilidade de iniciativa popular de referendo de âmbito nacional, regional, municipal ou de freguesia, para revogação de leis vigentes, iniciativas governativas ou mandatos políticos.
1.3 — Reformulação da lei da iniciativa legislativa de cidadãos, com a redução do número mínimo de assinaturas necessárias e o alargamento do âmbito de incidência das propostas de lei.
1.4 — Candidaturas de Grupos Independentes de Cidadãos à Assembleia da República, se cumpridos os critérios legais a estabelecer para o efeito, nomeadamente uma representação nacional mínima, que evite fenómenos de caciquismo local.
1.5 — Redefinição dos círculos eleitorais, visando aproximar mais os eleitos dos eleitores, com uma eventual alteração do método de apuramento dos resultados (em alternativa ao atual método de Hondt).
1.6 — Possibilidade de voto do cidadão eleitor no nome da pessoa candidata ou na lista da sua preferência (voto preferencial), em vez de só se poder optar pelo partido, como sucede actualmente.
1.7 — Introdução de um mecanismo legal que vincule inequivocamente cada eleito aos compromissos assumidos: o Contrato Eleitoral. A violação grave deste princípio deve ser considerada como justa causa para o pedido de revogação do mandato desse eleito, por via judicial ou através de Referendo de Iniciativa Cidadã.
1.8 — Plataforma digital atualizada em tempo real que promova a transparência da orçamentação e execução das atividades políticas e da contratação de serviços e assessorias por parte de cada político eleito, em prol de uma maior monitorização da atividade política.
1.9 — Alteração da Lei de Financiamento dos Partidos, com a eliminação dos benefícios fiscais injustificados, redução dos índices de referência para as subvenções estatais, moderação das despesas com campanhas eleitorais e publicitação das origens e dos montantes dos financiamentos, com prestação de contas consolidadas.
1.10 — Rigoroso Estatuto de Incompatibilidades das pessoas titulares de cargos políticos e de direção da Administração Pública ou do Setor Empresarial do Estado, mais rígido, verificável e sem as habituais exceções, que lhe retiram credibilidade.
1.11 — Fim dos privilégios injustificados atribuídos a pessoas (ex-)detentoras de cargos públicos e políticos e a responsabilização civil, criminal ou disciplinar do titular de qualquer cargo político, se for inequivocamente comprovada a sua contemporização com atos de abuso das funções do Estado.
1.12 — Introdução no quadro legal de uma pena política máxima que gradue, para os prevaricadores, a inibição temporária ou vitalícia do exercício de cargos políticos, bem como a ocupação de qualquer função na Administração Pública e entidades relacionadas.
1.13 — Em suma, defendemos maior participação dos cidadãos, em prol da regeneração do nosso sistema democrático.


MAIS INFORMAÇÕES 

Programa Eleitoral: 
http://noscidadaos.pt/forum/index.php?board=2.0

Deliberação em Porto Alegre (materiais em Português e Inglês):
http://cdd.stanford.edu/2009/deliberative-polling-in-porto-alegre-brazil/

Mapa Visual do Processo Deliberativo (Espanhol):
http://cdd.stanford.edu/mm/2015/03/what-is-deliberative-polling-es.pdf

Programa "À Noite na Cidade" discutiu este ensaio dia 2 de Novembro de 2015
https://www.mixcloud.com/noitenacidade/20151102-%C3%A0-noite-na-cidade-programa-04/

No comments:

Post a Comment

Your participation is most welcome!