Wednesday, November 4, 2015

[PT] Lições de S. Mateus e Abraham Lincoln para a Europa de hoje - A casa dividida

"Uma casa dividida contra si mesma não consegue permanecer"



O discurso da Casa Dividida foi proferido por Abraham Lincoln em 16 de junho de 1858, em Springfield, Illinois ao aceitar a indicação do Partido Republicano, fundado contra a escravidão, para concorrer ao Senado.

A preleção de Lincoln tornou-se uma duradoura imagem do perigo da desunião provocada pela escravidão e um dos seus mais famosos discursos.

Foi inspirada por Mateus12:25 que reza "Todo reino dividido contra si mesmo é devastado; e toda cidade ou casa, dividida contra si mesma não subsistirá." Ao falar que "uma casa dividida contra si mesma não pode permanecer" o político estava se referindo à divisão da nação Norte-Americana entre estados libertários e escravocratas. Oito anos antes deste discurso, durante o debate no Senado sobre o Compromisso de 1850, Sam Houston já havia proclamado: "Uma nação não pode ficar dividida contra si mesma.”

Lincoln avisa que para a união prevalecer ou haverá escravidão em toda a união ou sera abolida em toda a união. Os acordos feitos até ao dia simplesmente adiavam o inevitável. A União Europeia de 2015 apresenta paralelos aos EUA de 1858: a divisão entre estados soberanos com economias mais avançadas ao Norte e menos produtivas mas muito trabalhadoras do Sul.

O continente e os países também se dividem entre “esquerda” e “direita.” Embora o ser humano enquanto propriedade total seja ilegal em toda a UE, temos hoje novamente um debate sobre a liberdade e o valor da vida de uma classe de humanos. Em 1858, os EUA estava dividido entre aqueles que defendiam a instituição da escravidão por ser integral para a sua economia, justificada pelo racismo e superioridade de uma raca sobre as outras - e aqueles que queriam abolir a escravidão.

Os estados que haviam abolido a escravidão foram forçados a inovar e industrializar, tornando-se economicamente independentes da escravidão (com a excepção do comércio com estados escravocratas, que sentiam que os estados mais industrializados se enriqueciam à sua custa - outro paralelo).

Em 2015, a UE se encontra dividida entre aqueles que defendem a neo-escravocracia do neoliberalismo e aqueles que a opõem. Toda uma classe de pessoas são consideradas superiores: os mega-ricos. São super-ricos por serem inteligentes, prestáveis, generosos e muito trabalhadores - julgam-se. São os criadores de emprego, da inovação e riqueza, dizem. Em contraste, há o mito complementar: que existem os inferiores, preguiçosos, desonestos, sangue-sugas - e para os mais extremos, os de sangue impuro: são os pobres – gente sem talento, inteligência, e esforço. Muitos não valem nada neste sistema dishumano, uns valem um pouco, consoante o seu valor no mercado competitivo que se serve cada vez mais dos seres humano, em vez de os servir.

O ser humano de pele escura era considerado inferior e só tinha valor na medida que seu trabalho servisse as elites. Para a não-elite, servia como classe inferior e financiadores de seus serviços sociais. Hoje, o racismo não foi totalmente ultrapassado, mas a falta de solidariedade não se limita à cor da pele. Há liberdade de ser propriedade de outro, mas não há liberdade da necessidade e do sofrimento para a maioria. A necessidade e sofrimento de uns são considerados mais importantes do que a dos outros. O sofrimento do Alemão nobre, vale mais do que o sofrimento do Alemão pobre e do Grego supostamente preguiçoso – sem falar do refugiado. Se o Espanhol não tem trabalho é porque vale menos e não merece a mesma dignidade, é o que se julga.

A necessidade da Portuguesa, diz este sistema, não interessa tanto porque deve ser uma irresponsável paradisíaca que merece a sua condição inferior, porque é mal-habituada, desonesta e preguiçosa – só serve se trabalhar mais e ganhar menos... Se for mais como escrava e menos como gente. Serve mesmo se só trabalhar sem direitos e se ganhar só o suficiente para ter uma subsistência mínima. Pelo menos davam de comer e abrigo aos escravos - havia que proteger a propriedade, o investimento. Mas se for desobediente e não produzir o suficiente, o frio sistema não vai ter saudades da parasita. Ela é a nova versão da escrava Africana ou do Ameríndio da Era de Lincoln.

Tem liberdade de expressão que tem medo de usar pois pode perder o trabalho ou as poupanças de os bancos não gostarem do que diz um povo, mas não pertence 100% a ninguém como naquela era. Mas se não consegue ser prestável a uma elite global neoliberal como uma boa escrava quanto mais horas da sua vigília seja possível, não terá uma vida digna. Não por falta de recursos na Europa, mas sim porque a Europa ainda não aceitou que um Português ultra-rico vale tanto como um Polaco sem conta bancaria. Que uma mãe Belga vale tanto como uma mãe Italiana. E que só há força, paz e prosperidade sustentável na união.

A passagem mais conhecida do discurso de Lincoln é: "Uma casa dividida contra si mesma não pode permanecer. Acredito que este governo não pode suportar, permanentemente, ser metade escravo e metade livre. Eu não espero a divisão da União - Eu não espero ver a casa cair - mas espero que ela deixe de ser dividida. 

Ela terá que se tornar toda uma coisa ou outra. Ou os adversários da escravidão irão deter a propagação da mesma, e a opinião pública deve repousar na crença de que deva ser extinta definitivamente, ou seus defensores irão estendê-la adiante, até que ela se torne legal em todos os Estados, velhos ou novos - Norte como no Sul."

E nós? Vamos ter uma união de estados soberanos em que todos tem os mesmo grau de liberdade, de acesso a oportunidade, o mesmo valor como seres humanos? Não vamos ter os mesmos resultados, a mesma prosperidade, a mesma cultura, mas enquanto não concordarmos nos mesmos direitos e deveres do ser humano, as sementes da desunião e do conflito germinam.

Nos EUA existiam 3 cenários: um continente unido escravocrata, um continente unido abolicionista, ou a desintegração em dois eixos em conflito. Todos sabemos o que ocorreu.

Uma Europa que respeita e garante a liberdade e dignidade de todos os cidadãos e a soberania de auto-determinação de todos os estados e regiões autónomas é a única Europa de paz, segurança e prosperidade duradoura. 

Hoje temos mais confisco e menos direitos e oportunidades: e neste clima injusto, menos confiança, mais xenofobia e nacionalismo, menos solidariedade. O que todos os Europeus querem e foram prometidos é igualdade de oportunidade e maior aproximação perante as grandes decisões, verdadeira cooperação e sinergia na esfera económica que investe no desenvolvimento de cada um, e liberdade e diversidade plena na esfera cultural, embora unidos por valores humanos universais. Em vez de culparmos os demais, temos que re-encontrar e agir em concerto de acordo com os melhores valores que conhecemos. 

Toda a vida tem o mesmo valor e sua liberdade de expressão, de consciência, mas também das necessidades vitais, libertará todos os Europeus para desenvolverem-se e, no processo, servirem o bem comum com seus talentos. Ninguém nos vai entregar a justiça: temos que defendê-la com resistência pacífica mas pro-activa e firme. 

Não há paz sustentável para todos enquanto prevalecer injustiça para alguns. Não há desenvolvimento sustentável para o continente, enquanto tolerarmos o sofrimento de milhões e o desperdício do maior recurso: o potencial humano. Não há união, enquanto uns valem mais que outros. Um continente dividido esquerda e direita, norte e sul, do estado e do privado, empresário e trabalhador... um país, um continente dividido contra si mesmo, não subsistira.

Hoje, mais do que nunca, a união em torno do valor do ser humano e do seu potencial pode fazer da Europa a região mais livre, solidária, igualitária, ética, verde, unida e desenvolvida do mundo.

A divisão, poderá torná-la – novamente – num reino de opressão e violência. A escolha é nossa: Força pela união ou cada vez maior subjugação. Colaboração ou competição. Deixar um futuro melhor para os netos ou traí-los. Ou largamos a ilusão das cores partidárias e ultra-nacionalistas, defendendo valores universais, mantendo as culturas e valores individuais e colectivos sem roubar a dignidade “do outro,” ou agravamos as condições impostas pelo dogma mercantilista neo-liberal, marchando em direção da cor que já cobriu a Europa duas vezes nos últimos 100 anos: a cor do sangue, que é igual nas veias do Português e da Finlandesa – e já agora, de todos os seres humanos.


- Nélson Abreu, Los Angeles

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